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01/05/2020
Consequências da pandemia
As restrições devidas à epidemia causada pelo “vírus chinês” estão produzindo graves consequências na sociedade italiana, não somente nos campos sanitário, econômico e político, mas também no religioso.


29 abril, 2020

Consequências da pandemia chinesa na vida religiosa italiana.

Por Guido Vignelli (*), Corrispondenza Romana, 29 de abril de 2020 | Tradução: Hélio Dias Viana – FratresInUnum.com

O governo suspende a liberdade religiosa

As restrições devidas à epidemia causada pelo “vírus chinês” estão produzindo graves consequências na sociedade italiana, não somente nos campos sanitário, econômico e político, mas também no religioso.

Por mais de dois meses, o governo impôs “a suspensão de manifestações ou iniciativas de qualquer natureza, de eventos e de qualquer forma de reunião em locais públicos ou privados, mesmo se realizadas em locais fechados e abertos ao público” (decreto-lei nº 6 de 23-2-2020). Portanto, foi proibida qualquer forma de reunião que não fosse necessária por motivos sérios de cuidado da saúde, alimentação ou trabalho indispensável para a coletividade. Isso resultou no fechamento de todos os edifícios e instalações utilizados para fins de lucro, cultura ou entretenimento; apenas hospitais, casas de repouso, abrigos para idosos, escritórios públicos, supermercados e… tabacarias puderam permanecer abertos (o Estado de fato ganha com a venda de cigarros e com a loteria).

Posteriormente, o governo especificou que “ficam suspensas as cerimônias civis e religiosas”, incluindo procissões, orações públicas, peregrinações, bênçãos pascoais, até as Missas e a administração dos Sacramentos (decreto de 8-3-2020, art. 1º, letra i, art. 2, letra v). Além disso, os padres são proibidos de entrar nos hospitais para ajudar os doentes e moribundos. As atividades, os locais e o pessoal dedicado ao culto e à santificação foram comparados com aqueles dedicados ao lucro, cultura ou entretenimento.

O episcopado se submete ao governo

Antes mesmo de um pedido do governo, a Conferência Episcopal Italiana (CEI) determinou o fechamento de locais de culto e a suspensão de funções litúrgicas e cerimônias religiosas, manifestando assim “a vontade de fazer sua parte para contribuir com a proteção da saúde pública” (Declaração de 8-3-2020). A hierarquia eclesiástica permitiu assim o que nunca havia acontecido no passado, nem mesmo durante a terrível epidemia “espanhola” de 1918-1920 ou em períodos de violenta perseguição à Igreja.

Dessa maneira, o mandamento divino de “santificar as festas” foi implicitamente substituído pelo mandamento secular “fique fechado em casa”; a “Igreja em saída”, para cuidar do “hospital de campanha do mundo”, retirou-se para os conventos e sacristias; o “ministério de acompanhamento” foi suspenso por problemas de saúde; o “anúncio profético” se transformou em uma retórica consoladora e submissa.

Em um primeiro momento o Papa confirmou a diretiva da CEI e, para dar exemplo, fechou as basílicas da Cidade Eterna aos fiéis. No entanto, pouco depois, contradizendo a si mesmo, convidou o clero italiano a manter as igrejas abertas nas áreas menos afetadas pela epidemia; posteriormente, alguns bispos toleraram uma retomada mínima do culto.

Essa mudança parcial foi causada por um fato duplo. Antes de tudo, o abuso do governo provocou imediatamente o protesto de muitos fiéis e de alguns juristas e magistrados, que denunciaram a violação da liberdade de culto prescrita pela Constituição Republicana e pela Concordata entre o Estado e a Igreja. Além disso, a capitulação episcopal suscitou críticas à CEI e iniciou o fenômeno das “missas clandestinas”, celebradas por não poucos sacerdotes.

Posteriormente, alguns bispos condenaram esse protesto popular como irracional e irresponsável, porque faz “discursos abstratos sobre o direito de orar na igreja” (Dom Brambilla in Avvenire, 8-4-2020); outros se perguntaram perfidamente “se dito protesto é animado pela fé ou, antes, por uma religiosidade a ser purificada” (Mons. Libanori in Avvenire, 29-3-2020). Cerca de quarenta associações católicas publicaram uma “legítima defesa” em face da Hierarquia, declarando-se “comprometidas em entender e acolher o que nos está sendo e será solicitado pela saúde pública” (Avvenire, 17-3-2020). De qualquer forma, a CEI manteve uma posição ambígua que levou muitas dioceses, especialmente no norte da Itália, a manter o fechamento de igrejas e a suspensão do culto.

Essa concessão eclesiástica levou o governo a ousar mais. Por exemplo, reprimindo e multando as poucas tentativas de celebrar missas ou funerais nas igrejas ou de realizar orações públicas, organizadas por poucas pessoas em condições de segurança sanitária. Em alguns lugares, a polícia enviou agentes para impedir missas, fechar igrejas e dispersar grupos de oração, mesmo quando honrados pela presença dos respectivos prefeitos. Os bispos do local quase sempre condenaram não essas profanações, mas os padres que haviam sido vítimas delas.

Em consequência, ameaçado pelas autoridades políticas e abandonado pelas autoridades religiosas, o clero italiano submeteu-se quase totalmente a essa cumplicidade entre o Estado e a Igreja sancionada por uma espécie de novo pacto Molotov-Ribbentrop.

Então, sentindo-se reforçado pela capitulação eclesiástica, o governo aproveitou para humilhar ainda mais a Igreja. Ele prometera reabrir as atividades sociais, no contexto de uma liberalização gradual possibilitada pela esperada melhoria nas condições de saúde. No entanto, na conferência de imprensa de 26 de abril, o chefe do governo disse que, a partir de 4 de maio, ao permitir a reabertura de algumas atividades comerciais, culturais e recreativas, excluirá o culto público, por “razões de segurança da saúde” avançado pela comissão científica estadual. A decepção imediatamente expressa pela CEI apenas destacou o fracasso de sua estratégia habitual de “ceder para não perder”.

As causas da concessão episcopal

A sujeição eclesiástica às imposições estatais parece ter sido causada por um fator próximo — o medo — e por um fator remoto, de índole ideológica.

De fato, alguns bispos admitiram ter obedecido aos decretos do governo simplesmente por medo. Medo de perder as vantagens (especialmente econômicas) ainda recebidas do Estado; medo de serem atacados por órgãos da mídia que acusam a Igreja de não respeitar as leis; medo de serem criticados pela ciência médica oficial que acusa a Igreja de se opor à “saúde reprodutiva” dos povos.

No entanto, a principal causa da rendição episcopal reside na mentalidade difundida no clero pela “teologia do aggiornamento” à Modernidade, a qual exige uma adaptação das necessidades da Igreja às do poder laicista e a renúncia a se opor aos atropelos estatais dos direitos eclesiásticos.

Por exemplo, de acordo com o vigário de Sua Santidade [na cidade de Roma], “a vontade de Deus nos foi manifestada através da realidade do momento histórico que estamos vivendo; é a obediência à vida, que talvez seja a maneira mais exigente pela qual o Senhor nos pede que lhe obedeçamos” (cardeal De Donatis, carta ao clero romano, 13-3-2020). Segundo o vice-presidente da CEI, “é o Espírito Santo que permitiu e permitirá que a Igreja se adapte à complexidade do nosso tempo: neste caso, o tempo da pandemia” (Mons. Meini no Avvenire, 26-4-2020).

Além disso, a suspensão do culto público não pode preocupar muito um episcopado que favorece a “liturgia da palavra” em detrimento da liturgia sacramental e planeja o “retorno ao essencial” e a “recuperação da simplicidade eclesial primitiva”. O resultado é um processo de “espiritualização” (no sentido protestante) do cristianismo, na crença de que a Igreja deve se desprender dos pesados ​​fardos institucionais que são os dogmas, as leis e os ritos, e também, portanto, o culto público.

Por exemplo, em sua mensagem de 16 de abril, o Conselho Permanente da CEI alertou que, quando voltarmos à normalidade sanitária, “nada será o mesmo que antes”, e um novo estilo de “sobriedade, essencialidade e simplificação eclesial” deverá ser adotado. O próprio Papa Francisco previu a esse respeito: “Encontraremos a maneira pela qual o Espírito Santo desinstitucionaliza aquilo que não é mais necessário” (entrevista ao jornal londrino Tablet, relatada por Civiltà Cattolica, abril de 2020).

De fato, segundo alguns conhecidos teólogos, a atual suspensão do culto público constitui uma ocasião providencial para o clero se libertar de muitos encargos institucionais e os fiéis recuperarem uma espiritualidade pessoal doméstica ou comunitária, livres de uma liturgia caracterizada por “pompas rituais” e “superstições populares”. É a tendência pós-moderna rumo a uma “fé autogerenciada”. No entanto, esse discurso é perigoso para o próprio episcopado, porquanto, em tal caso, por que os fiéis devem obedecer à autoridade eclesiástica?

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(*) Jornalista e escritor italiano, autor, entre outros, de Uma revolução pastoral — Palavras-talismã no debate eclesial sobre a família, obra prefaciada por Dom Athanasius Schneider (Artpress, Editora e Indústria Gráfica Ltda.).

 


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