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22/10/2018
Terrível experiência
O que significa entrar no mundo dos doentes, num mundo que está doente!


TERRÍVEL EXPERIÊNCIA

 

Quero hoje falar – espero que não me alongando muito – sobre um assunto que talvez esteja até meio fora do momento presente, mas que acontece com toda a intensidade, e isso em todo o nosso planeta: falo sobre o mundo dos doentes, o que eles vivem, o que eles sentem, pelo que passam, a dor o suplício de estar ligado em máquinas e aparelhos, sem, por exemplo, estando de mãos amarradas, conseguirem o mais simples dos gesto que seria “coçar” o nariz, e coisas assim. Na verdade o mundo está doente, e não precisa ir muito longe para saber-se a fonte e a causa destas doenças porque é muito simples e a causa é uma só: vem antes uma doença moral! O pecado! 

A parte de milhares de doenças novas, e embora as milhares de formas de tratamento – e sabemos que nesta reta final surgirão outras doenças, mil vezes mais terríveis do que aquelas que temos – em verdade a medicina, embora todos os seus avanços, embora todos os novos processos, de novos medicamentos, à cada dia perde um pouco mais de terreno para a dor, para o sofrimento, para as doenças. As bactérias e vírus se adaptam rapidamente, tornam-se mais e mais resistentes, e não somente isso, o organismo humano tem dado respostas loucas, porque o tratamento, da mesma doença, de um para outro pode ser até conflitante.

Abro este parágrafo para entrar na parte religiosa, no sentido de Deus, para dizer que, dada a situação atual deste mundo, com a moral de bilhões de pessoas afundada até o abismo das pocilgas, Ele precisa destas dores, aceita estes sofrimentos de muitos dos Seus filhos, embora sofra – sim Deus sofre conosco ou não teria coração nem seria Amor – porque esta é a “moeda” salvadora, que “compra” o Reino dos Céus para estes outros bilhões de também filhos, mas rebeldes, que escolheram ínvios e tortuosos caminhos. Claro que estes não entendem que ganham o Céu de “presente”, tampouco entendem muitos dos que sofrem, sem entender por que sofrem tanto.

Abro outro parágrafo para lembrar de uma parte sensível da humanidade, que convive com a dor, mas não diretamente na carne – embora um pouco sim – e a vivem no espírito: falo dos cuidadores de doentes, não tanto dos enfermeiros e médicos que convivem com a dor por profissão e salário, e sim daqueles abnegados que cuidam dos doentes, de forma amorosa, dedicada, sofrida e esquecida, e que o fazem por amor. De fato, os que cuidam de um doente terminal por amor, sofrem na alma a mesma ou até maior dor que o acamado, e dependendo do amor com que fazem isso, podem sufragar ainda mais almas do que os que sofrem na carne.

Trato agora de um caso pessoal, da experiência que estamos tendo em família, com nossa mãe, que com seus quase 92 anos está acamada, e humanamente de forma irreversível, porque se percebe nitidamente a forma como seu organismo perde forças, os membros e os órgãos internos, o que se pode falar como falência gradual, mas múltipla de tudo aquilo que faz um perfeito organismo humano funcionar. Nossas irmãs se revezam em seus cuidados – embora algumas reticências – e percebemos que a cada dia pioram as situações. Ela está impertinente, agressiva, rebelde, e – quase o pior de tudo – não conseguimos mais entender o que ela quer dizer.

De fato ela passa por momentos de lucidez, onde pode acompanhar as orações, mas alterna estes com tempos de alteração mental, com gritos que parecem ser sem sentido. Mas veja: ela se encontra entubada no nariz por uma sonda alimentar que vai até o intestino. Ao mesmo tempo pelo nariz recebe ar por um tubinho, isso enquanto nos braços, palmeados de machas enormes de sangue devido as veias que se perdem pelas agulhas onde descem os medicamentos, e são até três mangueirinhas despejando remédios em seu corpo. Deitada de costas sem poder se mover e tem ainda os dois braços amarrados, porque nos momentos de rebeldia quer arrancar tudo isso fora. Mas não quer morrer, o que aconteceria se ficasse sem ser medicada.

Ponha-se você no seu lugar, o que faria? Como agiria? Como já disse nos alternamos para estar com ela presente, mais minhas irmãs que são aposentadas e mais livres para este cuidado, e de fato, as mulheres são mais apropriadas para cuidar de mulheres, porque no caso da mãe ela já não tem controle das fezes e urina, está já sendo drenada por um cateter. Mas sexta feira passada eu me dispus a fazer a experiência de passar com ela uma noite no Hospital, onde sem dúvida está sendo bem atendida. Queriam elas que fizesse um plantão de 24 horas, mas eu de antemão neguei porque sabia das minhas limitações e despreparo. Plantão das 20:00 até outro dia às 8:00 horas.

Quando cheguei minha irmã que fora plantonista durante o dia me passou as coordenadas principais, e me deixou tranquilo: ela está medicada, bem preparada para dormir, e certamente terás uma noite calma ao lado dela. Isso me deixou mais tranquilo, embora que toda aquela aparelhagem a que a mãe estava ligada, me deixasse muito acabrunhado. De fato, quando cheguei, num momento de lucidez, a mãe se esforçou para sorrir e me pediu que eu a abraçasse, embora ela não pudesse me abraçar. Tiramos até foto! E lá fiquei eu por muito tempo, conversando com ela, lembrando as coisas boas do passado, fatos que ela também guardava na memória, e pensei que minha noite ali eu a “tiraria de letra”.

Ledo engano! Embora que, antes de as confusões começarem ela tivesse me pedido para rezar o Rosário com ela, que não conseguiu terminar e pediu para parar, logo percebi que a coisa ia ficar séria. Pelo pouco que eu conseguia entender do que ela dizia, procurei ir atendendo seus pedidos, tudo para que ela se sentisse melhor mesmo continuando ligada a toda aquela aparelhagem. Me pediu para desligar a luz, eu desliguei! Daí ela não queria ficar no escuro. Por cinco vezes fiz isso, ligando, desligando, até perceber que era tempo perdido.

A todo o momento, hora depois de hora, eu era obrigado a ficar de pé ao seu lado, cuidando para que ela não arrancasse as agulhas e as sondas, porque era piscar o olho e ela tentava. E isso embora ela me prometesse que não iria fazer isso. Quantas horas alguém suportaria ficar naquela posição, de pé, noite adentro, sem cair de sono? Mas tinha que ficar. E comecei então a apelar pelas boas e serviçais enfermeiras que faziam de tudo para atender o que a mãe pedia. Troca isso, muda aquilo, melhora a posição da cama, nada adiantava, eram gritos – compreensíveis pelo que expliquei acima – até que lá pela meia noite eu pedi para as enfermeiras que lhe dessem algo para dormir, porque de fato eu não me preocupava comigo, mas com o bem estar dela, uma vez que durante o dia ela não tinha pregado o olho. Até, quem sabe, por causa daquela quantidade de antibióticos e outros remédios. Isso deve mais enlouquecer um organismo, do que curá-lo.

Pois mesmo medicada ela não conseguia se acalmar, nem dormir. Foi lá pelas duas da madrugada que enfim ela conseguiu pregar o olho, e percebi que enfim descansava... Cinco minutos, e vinham as alucinações, coisas que ela dizia ver, gritava, girava os braços no ar, olhos arregalados como se visse coisas – quem não se martiriza interiormente ouvindo os gritos de sua mãe? – de modo que para mim, um leigo neste cuidado, e não preparado para tal empreitada, aquela situação era quase de pânico. Vieram então as enfermeiras e amarraram as mãos dela, uma em cada lado da cama, tudo para que ela não se batesse nem retirasse os tubinhos de medicamentos... O que havia acabado de acontecer. Ai ai ai...

Tinham então que “pegar outra veia”, e lá vem elas com aqueles espetos enormes, furando aqui e ali – e eu que tenho pânico de agulhas por causa de uma injeção que levei no braço quando criança, e que até hoje, muitas décadas depois, ainda me dói – tinha que ficar ali segurando a mão da mãe, para cada novo suplício. E deu a pior, porque horas depois percebi que, devido as amarras dos braços e a veia que não tinha pegado, o braço da mãe estava o dobro do tamanho do outro porque o líquido não fluía no sangue, mas ficava ali. Falei para o enfermeiro e ele disse que só o médico poderia resolver aquilo. Que horror!

Numa situação destas, até os minutos parecem uma eternidade. Havia na parede em frente à cama um relógio, que às vezes me parecia estar parado. Eu fechava os olhos para não ver a situação, e pensando ter passado já 10 minutos, nem dois haviam passado. Eu sei que existem pessoas que “tiram de letra” situações como estas, mas quem tem amor, e amor por sua mãe, aquela que o gerou, vendo-a passar por aquele tormento, não há como esfrangalhar as estruturas. De fato, aquela noite me pareceu uma semana. E mal tendo pregado o olho por alguns minutos, na manhã seguinte, indo para casa, por duas vezes quase dormi ao volante. Que surra eu levei! Isso, quem sabe, para ver quantos milhares de famílias vivem a mesma ou até pior situação.

Conversei com as enfermeiras, que vivem situações iguais todos os dias, e todas são unânimes em afirmar que acabam “se acostumando” com aquela rotina, e que encontram situações ainda piores. Até mesmo a morte de alguns pacientes, nos braços delas, acaba não refletindo muito em suas vidas, porque, se fazem o que humanamente é possível, suas consciências estão tranquilas, e a situação passa. Pode ficar marcado o modo como a pessoa morreu, mas não fica o sentimento de perda irreparável, como é ver morrer uma pessoa do próprio sangue. O que não ocorre com um filho que ama seus pais, ou irmãos que se amam. Aí a coisa pega, e dói fundo!

Eu falei para a mãe, quando me pode entender, que eu não poderia sofrer aquilo por ela, mas, quem sabe, se eu estivesse em seu lugar não daria berros mais altos, não lutaria até as últimas forças para me livrar daqueles aparelhos e, quem sabe, teria menos paciência do que ela? E, neste caso, não estaria alguém do meu sangue, ou minha esposa me atendendo, e sofrendo ainda mais? O fato é que cheguei mais uma vez à conclusão do quanto Deus é perfeito em nos criar diferentes, com dons diferentes, com carismas diversos, porque alguns, como eu, definitivamente não recebi Dele a fortaleza para cumprir aquilo que tantos conseguem: cuidar de um doente terminal, sem entrar em pânico ou perder a paciência.

Há casos muito piores, disseram as enfermeiras! O que poderia haver de pior do que isso? Como algum cuidador poderá se manter calmo, insensível, durante um dia inteiro ante um tamanho sofrimento? Que mundo é este, onde tantos hospitais lotados estão enfrentando filas enormes de pacientes gritando por ajuda e onde isso vai parar? Que não acontece dentro destas clínicas e hospitais, aonde a dor humana chega ao cume e o sofrimento de quem trata e cuida deles beira ao desespero? Quantos rios de lágrimas correm neste mundo doente, gritos de dor e lamentos, quem sabe altercações contra Deus porque permite isso?

Olhem, porém, o abismo moral em que o mundo afunda! Esta conta tem um preço, e somente o sangue resgata o sangue. A humanidade atual não para de ofender ao seu Criador e Pai, e até mesmo a Igreja, que deveria ser a fonte de todas as curas – curai os doentes, lhes pediu Jesus – hoje está mais preocupada com a barriga do povo, com as questões de gênero e o meio ambiente. Entretanto a bondade infinita e o Amor Misericordioso do mesmo Pai, em Sua Justiça Perfeita, mesmo entre lágrimas, aceita este pacote abissal de dores, para com ele resgatar a imensa maioria dos seus filhos que insistem em viver longe Dele. Insensatos! Loucos!

Sim o Pai sabe da conta de cada um, entretanto apenas Ele opera com verdadeira Justiça. Somente ele sabe se as dores da minha querida mãe são necessárias para evitar que ele pague algum tempo de Purgatório – pois aqui, embora tudo é bem mais fácil quitar as contas da Justiça Eterna – ou se paga a conta dos seus filhos, alguns deles desviados dos caminhos de Deus! Justo ela que sempre foi um baluarte da fé, mulher de oração, ela com nosso pai, já falecido. Mas é duro, é terrível presenciar esta verdadeira tortura, por horas a fio, sem poder ajudar e aliviar seus sofrimentos. Se aqui é fácil quitar a Justiça Eterna, imagine como é o Purgatório E decididamente eu percebi que não tenho estrutura para isso!

Parabéns aos cuidadores de doentes que com abnegação, amor e coragem enfrentam longas convalescências minimizando os efeitos deletérios e a dor de milhões de doentes, talvez bilhões. Eu aviso a eles: está chegando o dia assinalado nas Escrituras, onde tudo isso poderá multiplicar-se por milhões. Pois irá num crescendo, até que a humanidade volte para seu Deus e Senhor, humilde, contrita e arrependida. Só então não haverá mais dor!

Quando pela manhã chegou minha outra irmã para tomar meu posto, a uma pergunta feita por ela sobre como a mãe estava, ela respondeu entrecortada: HORRÍVEL! E eu com a surra que levei naquela noite, sem um segundo de descanso, sem dormir posso agora definir tal experiência numa palavra: TERRÍVEL! Quem suporta uma carga destas sem um abalo nas estruturas, ou é de ferro, ou veio de outro mundo! E aos que sofrem isso por amor também posso dizer: merecem o mais alto Céu! (Aarão)

 


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